Uma batalha para vencer

Sim, mais uma consulta… Já atrasado porque o Bloco Operatório acabou mais tarde. A pressão de cumprir horas fez com que nem almoçasse. Abro o envelope de uma análise de uma biópsia e… Tumor maligno! Levanto os olhos, penso como é este doente, leio os meus apontamentos, carrego baterias em segundos e vamos a isso, preparar um soldado para as batalhas que aí vêm! Falar-lhe do Inimigo, das Armas, dos Riscos, dos Soldados que estão ao seu lado e que, acima de tudo, poderá contar comigo e com uma Equipa que estará do mesmo lado da trincheira!

Deparo-me com esta situação muitas vezes no meu dia-a-dia: ter de dizer a alguém que tem uma neoplasia da próstata, do rim, da bexiga, do testículo, enfim! É óbvio, pelo menos para mim, que esta abordagem é extremamente pessoal. Pessoal porque depende de mim e do doente que tenho à minha frente. Digo doente, ainda que muitas vezes a família queira saber mais do que o próprio doente, porque o dono da vida é o Doente e é o único com o direito de saber tudo sobre o seu estado, na minha opinião. É óbvio que existem exceções, mas essas apenas servem para confirmar, e reforço, na minha humilde opinião, esta minha regra.

Desde muito cedo na conversa com o doente, e muitas vezes com a família, abandono a palavra cancro. Porquê? Simples, está carregada de preconceitos! Explico que é uma neoplasia maligna, e, a partir daí, depois de lhe explicar o que é a sua doença, aguardo por perguntas. A reação é muito diferente e isso não é mais do que a forma como cada um de nós tem de enfrentar os problemas. Em muitos silêncios adivinho as perguntas: “tem cura?”, “tem tratamento?”, “quanto tempo de vida?”. É óbvio que essa informação é por mim gerida, baseada pelo que sinto que o doente tem capacidade de ouvir naquela conversa. Saliento sempre que estarei disposto a responder a qualquer dúvida ou pergunta que o inquiete e que a nossa conversa terá de ser sempre franca e aberta, pois o tratamento terá muitos intervenientes, mas dois deles, certamente serão, eu e o doente. Afinal, o sucesso de um será o sucesso do outro!

É curioso que depois do choque, a maior parte dos doentes rapidamente discute, pergunta, aborda os tratamentos e alguns falam da sobrevida. Estabelecemos metas, objetivos, calendarizamos exames e tratamentos e, no fim, despedimo-nos a maior parte das vezes como colegas de equipa que iniciarão um jogo, por vezes duro, mas em que ambos confiamos um no outro.

Atualmente, temos inúmeras armas terapêuticas médicas e cirúrgicas ao serviço da medicina e, em especial, da Oncologia, por isso é impensável continuar a pensar que cancro é igual a morte, de forma alguma! É claro que cada caso é um caso.

Acredito e confesso que sou um adepto da abrangência multidisciplinar do doente. A discussão pluralista médica e com outras áreas como o nutricionista, o fisioterapeuta, o enfermeiro, o psicólogo, a família… Todos poderão ter um papel na equipa que jogará este jogo, mas, na minha opinião, o capitão de equipa terá de ser sempre o Doente!

Longe deverão ir os tempos em que os doentes, muitas vezes, não sabiam em concreto o que tinham, nem as opções de tratamento. Cada vez mais a Oncologia terá mais doentes, porque a esperança média de vida aumenta e, porque, infelizmente, ao vivermos numa sociedade muito competitiva, adotamos comportamentos não tão saudáveis. No entanto, é fundamental que todos saibamos que muitos avanços da Medicina ocorreram na Oncologia, e que, por isso, cada vez mais existem armas ao serviço dos doentes e das suas “equipas” para travarem esta árdua luta.

“A grandeza do homem consiste na sua decisão de ser mais forte que a condição humana.”

Albert Camus


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